A terapia do conselho
"Se conselho fosse bom, a gente não dava, vendia". A frase está aí, na boca do povo. Quem nunca ouviu, não vive no Brasil. Mas, apesar desta ser uma época de muito mercado e pouco espírito público, muito egoísmo e pouca preocupação com o bem comum, nem tudo está à venda nela. Tem muito de afeto, compaixão e trabalho que a gente dá de graça aos outros, sem esperar nada em troca além de satisfação consigo mesmo. E conselho é bom, sim. Funciona, ajuda quem ouve. Isso eu posso garantir.
No comecinho de 2020, eu e outros em tratamento no A.C.Camargo recebemos um convite do setor de Experiência do Paciente. Fomos chamados a compor um grupo de assessoria informal, voluntária, que faria reuniões periódicas com as diversas equipes do hospital, para dar a elas em viva voz e papo reto, direto, a perspectiva de quem tem câncer e vivencia os múltiplos serviços do hospital. Uma perspectiva que é muito distinta daquela dos médicos, enfermeiros, atendentes, todos que igualmente vivem o câncer no dia a dia, mas não como nós o sentimos, no corpo e na alma. Foi assim que surgiu o Conselho Consultivo de Pacientes.
A primeira reunião aconteceu na Pires da Mota em 29 de janeiro daquele ano, numa outra era geológica, outra glaciação, quando ninguém dividia os encontros entre "presenciais" e "online". Mal tivemos tempo de nos conhecer e corremos a nos enfurnar em casa, porque o coronavírus chegou com tudo, trazendo a pandemia e um pandemônio. O trabalho seguiu em modo remoto, com "lives" no Teams, e fomos conhecendo os mais diversos aspectos da vida do A.C.Camargo. Ouvimos explicações e respondemos a dúvidas de todo tipo. Demos dúzias de conselhos, como bons conselheiros que nos tornamos.
Nesses três anos e meio, 21 pacientes participaram do trabalho. Fizemos 18 reuniões, a maior parte online. Avaliamos o atendimento dos médicos titulares e dos residentes, a comunicação deles com o paciente. Discutimos a diversidade do profissional de saúde, como ela existe no hospital e como deveria ser. Falamos sobre a telemedicina, a medicina diagnóstica, as práticas integrativas e complementares em saúde, o atendimento oncológico protegido, os serviços de nutrição, a reestruturação da reabilitação.
Também tratamos da segurança do paciente nas dependências e nos serviços do hospital. Da infraestrutura oferecida. Dos serviços não-médicos. Do atendimento nas consultas, exames, terapias e internações. Do agendamento telefônico, no site ou no aplicativo. Discutimos soluções digitais, inovações na Central de Atendimento, uma Fábrica de Ideias. Analisamos com a Comunicação e Marketing o que representa a marca A.C.Camargo e como ela é percebida. Conhecemos a política de compliance do hospital e a área que apoia os médicos nos dilemas éticos que eles têm de enfrentar, como aquele, muito duro, tão comum, de decidir com familiares do doente se prolonga artificialmente a sua vida ou desliga os aparelhos.
Enfim, falamos de tudo sobre a jornada do paciente oncológico no A.C.Camargo. Tudo que diz respeito a ele, ao seu conforto e sua paz, e à comodidade de quem o acompanha no hospital. Apontamos vários defeitos, abrimos o coração para reclamar deles. E vimos muita coisa mudar. Muita mesmo. Numa rapidez e escala que realmente impressionam, e dão uma satisfação danada na gente.
Minha vitória pessoal foi na escada de vidro da Antônio Prudente, que leva do saguão ao subsolo. Eu fiquei com a visão atrapalhada, em razão da doença, e tropecei mais de uma vez descendo aqueles degraus transparentes. Sugeri que eles fossem jateados e ficassem foscos, para os deficientes visuais terem mais segurança. Pois lá estão eles agora, exatamente como sugeri. Cada degrau comprova que o A.C.Camargo ouve as angústias de seus pacientes.
Mas a escada é só uma parte do que mudou, com a contribuição do Conselho Consultivo de Pacientes. Hoje os processos são mais rápidos em todos os setores. Você agenda consulta facilmente no aplicativo, recebe um QR code para usar no totem da recepção e agiliza os trâmites no balcão. Criticamos muito o Wifi e ele melhorou. Criticamos os sanitários, idem.
Fomos ouvidos no principal, o acolhimento, o cuidado especial que o paciente oncológico precisa ter, na fragilidade emocional em que atravessa o seu tratamento, especialmente quando é calouro.
Ainda não rola cafuné, mas há mais sorrisos, mais paciência, mais calor humano nas interações com as equipes.
Conselho é bom, para quem dá, quando ele é escutado. É ótimo, perfeito, quando ajuda o aconselhado a mudar para melhor. Isso não tem preço. E é isso que paga.
Gabriel Priolli é jornalista radicado em São Paulo. Trabalhou nos principais veículos de imprensa do país, dirigiu e criou canais de televisão, e foi professor na PUC, FAAP e FIAM. Hoje atua como consultor de comunicação.