Inaugurado em 23 de abril de 1953, o A.C.Camargo Cancer Center tem uma trajetória grandiosa no combate ao câncer. Líder em conhecimento científico sobre oncologia, é um centro de referência internacional em ensino, pesquisa e tratamento multidisciplinar. Para saber como chegamos aqui, vamos voltar um pouco nessa história.
Em 1938, em Berlim, médicos brasileiros visitaram centros de medicina germânicos. Na viagem, estavam o cirurgião Antônio Prudente Meireles de Moraes, então com 32 anos, e a jornalista Carmen Annes Dias, 27 anos, filha do chefe da comitiva brasileira e médico pessoal do presidente Getúlio Vargas.
Antônio Prudente se encantou com aquela jornalista que falava inglês, francês, alemão, italiano, espanhol e já escrevera seu primeiro livro de viagens, "Do Brasil ao Japão", uma reunião de seus artigos para o jornal A Gazeta, dos Diários Associados, sobre sua viagem ao país do sol nascente.
Esse amor – Prudente declarou-se para Carmen durante um jantar, já no navio de volta, quando entregou, por baixo da mesa, um livro de sua autoria para ela, com a dedicatória. "Que Deus nos una para sempre e que nosso pensamento seja um só: a luta contra essa doença terrível".
Carmen abriu seu sorriso de sempre, que acabou sendo conhecido de norte a sul do Brasil e também no exterior como a marca registrada da luta contra o câncer. Dois meses depois estavam casados.
Em 1939, o câncer era uma das doenças que mais matavam. Em São Paulo e no Rio, o Anuário Estatístico do Brasil (IBGE) apontava como principais causas de óbito as doenças do aparelho circulatório, a tuberculose e o câncer. Prudente pensava em transformar a APCC (Associação Paulista de Combate ao Câncer) num hospital. A proposta era oferecer assistência médica hospitalar contra tumores malignos, disseminar informação para a sociedade e aperfeiçoar o conhecimento dos médicos na área de Oncologia. No entanto, era necessário capital. Ele veio em 1943, pelas mãos do Comendador Martinelli, paciente do cirurgião Antônio Prudente – discípulo de A.C.Camargo. Martinelli doou 100 contos de réis, que foram rapidamente transformados em mil contos de réis graças a campanhas de doações para a construção do hospital.
Com o fim da guerra, em 1945, a APCC promoveu campanha para arrecadação de donativos e conscientização sobre a doença. No dia 1º de maio, foi lançada por Carmen Prudente a primeira Campanha Contra o Câncer, com a distribuição de 25 mil cartazes colados nos muros da cidade. São Paulo acordou sabendo que o câncer existia e deveria ser enfrentado.
Carmen Prudente criou, em 1946, a Rede Feminina de Combate ao Câncer, uma organização que começou sendo composta por uma divisão de quarenta chefes, com a proposta de alistar 31.200 pessoas para o combate ao câncer. Existiriam 200 núcleos da Rede Feminina em todo o Brasil. Os núcleos fariam campanhas destinadas a angariar fundos e com propósito educativo de transmitir conhecimento sobre o câncer pelo país, além de encaminhar casos da doença para tratamento. Ela mobilizou a população de São Paulo em torno da construção do Hospital por meio da criação de um concurso para arrecadação de fundos. O vencedor foi um jovem estudante de Medicina chamado Humberto Torloni, filho de imigrantes italianos e que mais tarde ocuparia posição de destaque na Organização Mundial de Saúde.
A campanha teve sucesso tão grande que, naquele mesmo ano, a APCC conseguiu viabilizar a tão sonhada primeira Clínica de Tumores. O contrato entre o Hospital Santa Cruz e a APCC previa cessão por 20 anos, pelo qual a APCC forneceria ao hospital um significativo valor, a ser reembolsado dentro do prazo de 2 anos. A Clínica de Tumores funcionaria no ambulatório do hospital, e a APCC instalaria no local todos os equipamentos necessários para o trabalho.
De 1946 a 1953, a Clínica de Tumores funcionou no ambulatório do Hospital Santa Cruz. Além de cirurgia, havia serviço de fisioterapia e radioterapia, com aparelhagem trazida dos Estados Unidos. Os médicos eram distribuídos em três serviços de cirurgia, cada qual com seu chefe e titulares, para tratamento de pacientes portadores de tumores.
O antigo mestre de Prudente e presidente da APCC, Antônio Cândido de Camargo, morreu meses depois da inauguração da clínica, em 20 de fevereiro de 1947. Assumiu a presidência da entidade outro professor de Antônio Prudente na Universidade de São Paulo, Celestino Bourroul, que durante toda a vida chefiou a Medicina de Homens da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e que, como mestre, era considerado por muitos a própria vida da Faculdade de Medicina.
Grande mentor do fundador do Hospital do Câncer, Antônio Prudente, o cirurgião Antônio Cândido de Camargo presidiu a Associação Paulista de Combate ao Câncer – embrião do Hospital – até sua morte, em 1947.
Desde a fundação da Faculdade de Medicina, em 1913, até 1934, Camargo foi professor responsável pela cadeira de clínica cirúrgica – especialidade que seu aluno Antônio Prudente seguiria com paixão. O mestre transmitiu ao discípulo os primeiros ensinamentos na área, todo o conhecimento avançado que trouxe dos tempos de estudo em Genebra, na Suíça, e na capital austríaca, Viena.
Camargo pertenceu à equipe de Jacques Reverdin, um dos grandes nomes da cirurgia no século 20. No Brasil, foi pioneiro em neurocirurgia e trouxe importantes contribuições para o tratamento de tumores de cérebro e medula. Em sua homenagem, o Hospital do Câncer passou a se chamar A.C.Camargo Cancer Center.
Em 1948, Antônio Prudente fincou no bairro da Liberdade, em São Paulo, a pedra fundamental do Hospital do Câncer. A APCC havia conseguido, por doações ou compra, dois lotes de terreno na rua José Getúlio, região repleta de chácaras, próxima à linha de bonde da rua Vergueiro.
Parte do terreno – uma área de 1.400 metros quadrados – era um charco onde descansavam cavalos das charretes da chácara Jambeiro Costa, propriedade do casal Leônidas de Castro Mendes e Odylia Jambeiro Costa Mendes – ele, médico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; ela, neta do Barão de Ibitinga, de quem herdara as terras.
O Hospital do Câncer foi projetado pelo arquiteto modernista Rino Levi, filho de italianos formado em Roma e Milão. De sua prancheta saiu a estrutura com o amplo mezanino sobre o qual se apoiavam 13 andares, e que seria considerada um belo exemplar de arquitetura funcional. Levi projetou janelas que afastassem o sol e o ruído excessivo e que, vistas a distância, depois de construído o hospital, pareceriam pequenas demais para os paulistanos que passavam pela rua.
Nasceu, enfim, em 23 de abril de 1953 o primeiro hospital de São Paulo construído com o dinheiro da população, e a ela destinado, sem ligação a nenhuma instituição de saúde oficial brasileira, sem respaldo financeiro de nenhuma organização religiosa, tampouco patrocínio de colônias de imigrantes, como era usual.
O novo hospital trazia a São Paulo o mais avançado conjunto de equipamentos para diagnóstico do câncer. Ofereceria radiografia, endoscopia, anatomia patológica e radioterapia. Havia também seu corpo de cirurgiões, a espinha dorsal do Hospital do Câncer. As cirurgias realizadas por esses médicos e suas equipes, nas cinco salas de operações do Centro Cirúrgico, no 10º andar, espalhariam por todo o prédio os sentimentos de respeito e esperança pela cura do câncer.
Hoje, a nossa Instituição continua seguindo o legado de Antônio e Carmen: a pesquisa científica e a busca pela excelência, que ele jamais deixou de perseguir, e o olhar humanitário dela.
Para saber ainda mais detalhes da nossa história, conheça o livro O Sonho de Carmen.


