Clube da luta
Clube da luta
Não. Apesar do título, esse texto não tem nada a ver com o filme de 1999, com Brad Pitt e Edward Norton. Nem com o romance de Chuck Palahniuk, de 1996, no qual se baseou. Não fala de dois caras perdidos no mundo, perplexos e insensíveis, que começam a trocar socos para ver se sentem alguma coisa na vida, dor física que seja.
Esse texto não se interessa por um dos caras, o protagonista, estar insone há seis meses e frequentar grupos de ajuda a pacientes terminais, para ver se rompe a indiferença e nutre alguma compaixão. Também não quer saber como os dois perdidos acabam reunindo uma legião de desajustados iguais a eles num clube, onde todos aliviam as tensões da frustração arrebentando a cara alheia.
A primeira regra do Clube da Luta é "você não fala sobre o Clube da Luta". E a segunda também. Mas aqui se trata exatamente do contrário. De falar dele. Porque há um outro Clube da Luta, diametralmente oposto àquele do filme e livro. Uma confraria de sensibilidade, solidariedade, esperança e obstinação, que reúne pessoas de um outro mundo. São os pacientes, familiares, médicos, enfermeiros e auxiliares que lutam incansavelmente contra uma doença insidiosa e maligna. É o clube da vida, onde a única cara arrebentar é a do câncer.
Devo confessar que, antes dele aparecer no meu ringue, eu torcia o nariz e dava pouco ouvido para a expressão "lutar contra o câncer". Achava ingênua, sem sentido, porque o que ocorre nessa doença é um desarranjo orgânico, que faz algumas células do corpo se reproduzirem de forma anômala, formando o tumor. Se é assim, como "lutar" contra células rebeldes? O que a força de vontade conseguiria de "plus a mais", quando o que se pode fazer, objetivamente, é tratar o câncer com os recursos disponíveis na medicina e torcer para que eles funcionem?
Então eu tomei o soco na fuça do diagnóstico, um jab no fígado de realidade e adentrei o tablado, tonto das pancadas. Era eu ali e o câncer diante de mim, um Mike Tyson prontinho a arrancar fora a minha orelha. Eu podia me agarrar nas cordas, que ele bateria do mesmo jeito. Podia me esquivar dos golpes, mentir para mim que ele não me derrubaria, mas não levaria muito para eu estar no chão, ouvindo a contagem dos meus últimos dez segundos. Ou então, entendi na hora, eu podia partir para cima dele, com toda força da minha mente e músculos, com rigor e disciplina, com paciência e firmeza, para levá-lo até o fim do combate e ganhar por pontos. Combalido, mas em pé.
Foi o que fiz, é o que a maioria de nós faz. Temos treinadores de branco conosco, passando a toalha no rosto, dizendo como e onde bater no danado, e como evitar que ele nos pegue. Temos um juiz, também de branco, que suspende o combate e dá tempo para a gente se recuperar, na internação, quando apanhamos demais.
Temos uma torcida maravilhosa na plateia - a família, os amigos, os conhecidos - gritando nosso nome o tempo todo, dizendo sem parar "Vai! Pega ele! Não fraqueja! Derruba!".
Sim, quem vence o câncer é a medicina, as técnicas cirúrgicas, os tratamentos, os remédios. Mas quem cria a couraça no corpo e põe aço nos punhos, para que ela vença, é a nossa vontade. Nosso propósito de sarar, nosso amor pela vida. Quem derrota o câncer é a ciência. Mas quem luta mesmo somos nós.
Gabriel Priolli é jornalista radicado em São Paulo. Trabalhou nos principais veículos de imprensa do país, dirigiu e criou canais de televisão, e foi professor na PUC, FAAP e FIAM. Hoje atua como consultor de comunicação.
Um Cancer Center não é um hospital, é uma plataforma completa de atendimento, incluindo prevenção, investigação, estadiamento, tratamento, cuidados paliativos e reabilitação. Tudo no mesmo local.