A.C.Camargo mostra que avaliação genética poderá prever perda auditiva em crianças tratadas por câncer
A.C.Camargo mostra que avaliação genética poderá prever perda auditiva em crianças tratadas por câncer
Um grupo de pesquisadores do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo, trouxe uma descoberta que pode refletir na mudança da atual conduta terapêutica prescrita para crianças diagnosticadas com câncer. Ao analisar o DNA de 61 pacientes tratados com cisplatina e carboplatina durante a infância, entre 1984 e 2014, e acompanhá-los com exames audiométricos, os autores puderam confirmar que pacientes que receberam maiores doses de tratamento com esses medicamentos apresentaram maior perda auditiva.
Além disso, eles avaliaram a influência da variante genética c.313A>G no gene GST (glutationa S-transferase). Esse gene codifica uma importante enzima que tem função antioxidante dentro das células. Essa função é crucial para prevenir a formação de radicais livres, que lesam as membranas celulares. Apesar de não terem identificado nenhuma associação da presença da variante com perda auditiva geral, os autores descobriram uma associação com perdas em uma frequência que pode comprometer a fala. Em outras palavras, pacientes portadores da variante genética c.313A>G no gene GST tiveram perda auditiva importante com comprometimento da fala (4Kz). A presença da variante genética, de acordo com o estudo, mostrou um risco 10 vezes maior de desenvolver perda nessa frequência, podendo impactar diretamente a socialização e a qualidade de vida da criança. O trabalho "Contribution of the GSTP1 c.313A>G variant to hearing loss risk in patients exposed to platin chemotherapy during childhood", disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30361796>, foi publicado no final de outubro na revista científica Clinical and Translational Oncology.
A cisplatina e a carboplatina são dois quimioterápicos tradicionais. Foram aprovados pelo FDA, respectivamente, em 1978 e 1989 e, desde então, são tratamento de primeira linha para diferentes perfis biológicos de tumores pediátricos. Os pacientes reunidos no estudo foram tratados após o diagnóstico de retinoblastoma (46,0% dos casos), osteossarcoma (32,8%), tumores de células germinativas (16,4%), hepatoblastoma (1,6%), neuroblastoma (1,6%) e rabdomiossarcoma (1,6%).
Ao descobrir que a variante c.313A>G do gene GSTP1 foi a mais representativa no material genético desses pacientes que foram impactados pelo efeito adverso ocasionado pelas substâncias tóxicas dos medicamentos, abre-se a oportunidade de, antes do tratamento com cisplatina ou carboplatina, submeter a criança a uma genotipagem (ler e interpretar as sequências de DNA do paciente) e predizer quem apresenta risco aumentado de desenvolver perda auditiva.
“Com isso, será possível estudar a possibilidade de alteração da dosagem de cisplatina e carboplatina e os benefícios de oferecer um acompanhamento precoce, interdisciplinar e personalizado, com audiologistas, fonoaudiólogos, otorrinolaringologistas, oncopediatras, oncologistas clínicos, entre outros profissionais. Além disso, abre uma janela de possibilidades para a identificação de outras variáveis genéticas que estejam relacionadas com maior predisposição para a perda auditiva em frequências importantes quando expostas aos dois medicamentos”, vislumbra a cientista e Head do Laboratório de Genômica e Biologia Molecular do A.C.Camargo, Dirce Maria Carraro, uma das autoras do estudo.
A pesquisa é fruto do doutorado da audiologista Patrícia Pecora Liberman, Head do Departamento de Audiologia do A.C.Camargo. As amostras de sangue dos pacientes foram extraídas do biobanco de DNA/RNA e analisadas no Laboratório sob responsabilidade de Dirce Carraro, com participação também do Centro de Engenharia Genética e Biologia Molecular da Unicamp. O próximo passo, conforme comenta Dirce Carraro, é levar a investigação dessa e de outras variáveis para a rotina clínica da Oncologia Pediátrica da Instituição. Com isso, será possível validar esses resultados em outros grupos de pacientes, inclusive de diferentes etnias, nos quais a frequência dessas variantes genéticas pode ser diferente e oferecer, portanto, maior ou menor risco para a perda auditiva.
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