Residentes 2 - O Batman dos nossos Robins
Residentes 2 - O Batman dos nossos Robins
Outro dia escrevi aqui sobre o tema dos médicos residentes, que estão frequentemente nos comentários dos pacientes. Muitos de nós têm um certo receio deles, porque entendem que a experiência é a principal qualidade do médico e é exatamente ela que faltaria aos jovens auxiliares.
Eu argumentei que não é bem assim, que o titular e o residente formam uma "dupla dinâmica" bem sucedida, vencedora dos maiores desafios, como é a dupla mais conhecida dos quadrinhos, Batman e Robin. Mas externei apenas uma crença, uma impressão, e achei melhor investigar como funciona exatamente a área, para fundamentar o meu argumento.
Fui logo conversar com o Dr. José Humberto Tavares Guerreiro Fregnani, o Superintendente de Ensino e Pesquisa do A.C.Camargo. O Batman-chefe dos Robins residentes. O Batmór.
Muita informação nesse papo! Muita mesmo. Eu sabia que o hospital é também uma escola superior de medicina e um centro avançado de pesquisa, basta vasculhar o site para perceber isso. Mas eu não tinha ideia do tamanho da coisa e descobri que é bem grande.
Você vai se admirar, como eu me admirei. E vai se tranquilizar, se ainda tem alguma dúvida quando é atendido pelos simpáticos jovens de jaleco branco nas consultas.
Para conhecer o mundo deles, vamos recuar a 1953, quando o A.C.Camargo foi fundado. Naquele mesmo ano começou a Residência Médica e 16 doutores se especializaram em Oncologia. Dois anos depois, em 1955, eles já foram 54. Atualmente, a média de formandos é de 100 por ano e agora não são mais apenas médicos que se graduam, mas também profissionais de áreas conexas da saúde.
O A.C.Camargo oferece Residência para Especialização em Oncologia em 14 áreas diferentes: Cancerologia clínica, Cancerologia pediátrica, Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Citopatologia, Endoscopia, Mastologia, Medicina Intensiva, Medicina Nuclear, Patologia, Radiologia, Radioterapia intervencionista, Radioterapia e Transplante de medula.
Também oferece 8 programas de "fellowship", para médicos e profissionais de saúde que já concluíram a faculdade e a residência médica aprofundarem seus conhecimentos. As áreas são Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Central da Dor, Hematologia, Neurocirurgia, Oncologia cutânea, Onco-ortopedia, Cirurgia torácica e Urologia.
O hospital oferece ainda mais 7 programas de residência multiprofissional, estes para profissionais de saúde, nas áreas de Enfermagem, Estomatologia, Física Médica, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Nutrição e Psicologia.
Em fevereiro deste ano, 228 profissionais estavam em treinamento: 168 na Residência Médica, 47 na Residência Multifuncional e 13 no "fellowship". Mas esse número já se alterou, porque março é o mês de ingresso de novas turmas e o balanço do número de alunos é fechado mais adiante. Logo você vai entender o porquê.
A seleção para a Residência no A.C.Camargo é feita em convênio com a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e com a VUNESP, a fundação que cuida dos vestibulares da Universidade Estadual Paulista, a UNESP. Os candidatos são classificados pelos parceiros, conforme as notas que obtêm nas provas de seleção.
Os que desejam fazer a especialização no A.C.Camargo indicam isso e o hospital seleciona quantos admitirá, conforme as vagas que tenha a cada ano, o que é ditado pelas suas disponibilidades internas. Em média, são 700 os inscritos para vagas no hospital. Neste ano, foram escolhidos 28 da lista.
"Quando o hospital tem qualidade de atendimento reconhecida, ele atrai muitos interessados em residência", diz o superintendente. "Esse é o nosso caso. Temos uma residência de excelência, que atrai muitos bons profissionais e podemos selecionar os melhores entre eles".
O quadro de residentes só se define por volta de maio. Isso porque ocorrem desistências, de 5 a 7 por ano, em geral até o final de abril. Alguns desistem porque entendem que a Oncologia não é para eles, outros porque não podem acompanhar o ritmo do trabalho, ou por qualquer outra razão.
Os residentes são admitidos na Escola de Cancerologia Celestino Bourroul, uma instalação que fica próxima à Unidade Tamandaré do hospital. A maior parte da atividade deles é prática, o chamado "treinamento em serviço". Mas eles também têm aulas formais, semanais. Estudam os protocolos adotados pelo hospital no tratamento dos variados tipos de câncer e analisam casos clínicos.
Bom, até aí são dados importantes, mas não respondem à angústia central dos pacientes, certo? Os residentes entendem ou não do riscado? Quanto entendem, exatamente? Dá para confiar neles ou não?
O doutor Fregnani considera um equívoco completo achar que o residente é um médico inexperiente. Lembra que ele já tem 6 anos de formação concluída, quando inicia a Residência. Grande parte das mais de 8 mil horas de estudos que ele teve até ali foram gastas na prática médica. Ele é um médico instruído e tarimbado.
O que esse médico fará na Residência é a especialização em alguma área, completando um total de 8 anos de formação. Isso é o dobro do tempo normal do bacharelado em outros cursos do ensino superior. E esse tempão pode ainda ser pouco, porque algumas das especialidades do A.C.Camargo exigem que o profissional já tenha uma Residência anterior concluída, para ser aceito. isso amplia a sua formação para 8 anos de estudos e prática, quando ele adentra o nosso hospital.
OK, beleza, mas como se dá essa especialização?
Funciona como vemos nas consultas e procedimentos. Os profissionais titulares, já especializados e mais antigos no hospital, são "preceptores" dos residentes. Cada um deles treina de 1 a 2 colegas nos Ambulatórios, idem nas Cirurgias. Já nas Enfermarias, podem ser de 4 a 5 residentes por preceptor.
Os titulares atendem entre 15 e 20 pacientes por dia e esse é o número de casos que os residentes também acompanham. Nos ambulatórios, eles iniciam o atendimento e adiantam boa parte do exame, para que o titular já tenha um quadro completo quando chegar para a consulta. Os residentes não podem tomar decisões de tratamento sozinhos. A prerrogativa é exclusiva do titular, mas ambos discutem cada caso, atuam juntos o tempo todo.
"Existe uma simbiose entre o residente e o médico senior", diz o Dr. Fragnani. "O residente é sedento por conhecimento e isso estimula o senior a sempre se atualizar. Nosso corpo médico precisa estar sempre atualizado e a convivência de novos e veteranos favorece isso".
Ao longo do treinamento, os residentes não ficam presos a um mesmo preceptor. Ao contrário, eles rodam entre as especialidades, para conhecer todas e escolher aquela em que irão se fixar. E depois que concluem a Residência, permanecem ligados ao A.C.Camargo. Os que tiveram melhor performance são contratados pelo hospital. Foram 103 nos últimos 5 anos. Já os que saem estão sempre em contato.
O que garante essa ligação é o Programa Alumni, uma rede de comunicação e troca de experiência que mantém os egressos conectados às equipes atuais do hospital. Eles voltam às suas cidades de origem, em outros lugares do Brasil e do mundo, e levam a tecnologia do A.C.Camargo para lá. "São os embaixadores da nossa cultura, da nossa forma de trabalhar", diz o superintendente.
"A Residência é muito mais do que ter alunos aqui dentro", ele acrescenta. "É um processo de troca entre os seniors e os que estão se especializando, uma construção de conhecimento comum que perdura, quando os profissionais vão desenvolver a sua especialidade longe do hospital."
E aqui vai um recado do Batmór aos pacientes:
Não tenham receio dos residentes. Eles não devem ser vistos como problema, mas como componentes importantes da equipe do hospital. Sempre haverá um médico experiente trabalhando com eles e orientando as suas ações. Eles são o futuro do A.C.Camargo, a excelência do hospital se projetando no amanhã.
Gabriel Priolli é jornalista radicado em São Paulo. Trabalhou nos principais veículos de imprensa do país, dirigiu e criou canais de televisão, e foi professor na PUC, FAAP e FIAM. Hoje atua como consultor de comunicação.
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