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O incerto Dr. Google

 
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A voz do paciente

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A voz do paciente

Você é um terráqueo do século XXI, portanto é um ser conectado, idoso que seja. Tem uma vida igual à que seus avós tiveram, "presencial", interagindo em carne e osso com as pessoas e as coisas. Mas, também tem uma outra que eles não conheceram, a digital, virtual, online, com interações totalmente "remotas", em geral pelo celular. Então é muito improvável, quase impossível, que você tenha um câncer e não marque consulta no médico mais famoso do mundo: o Dr.Google. 

O doutor é clínico geral, sabe de todas as doenças, mas é especialista em atender as mais complexas, como a nossa. Não por vontade dele, ou vocação especial, mas porque quanto mais grave é o mal, ou achamos que ele seja, mais rápido e mais vezes recorremos ao grande médico. Podemos ir eventualmente a um colega dele, como os doutores Yahoo, Bing, Ask ou o jovem Dr.ChatGPT, mas é mais raro. Bem raro. Dr.Google está muito acima de todos eles, com 98.88% de todas as consultas no Brasil. 

O famosíssimo terapeuta é um concorrente inescapável do nosso médico, o que atende primariamente às nossas queixas. A gente vai até ele, faz a consulta e se, por acaso, o diagnóstico inicial for de alguma coisa mais grave — por exemplo um abscesso ou um nódulo com jeitão de tumor —, basta sair do consultório para correr ao Dr.Google. Para perguntar a ele tudo aquilo que o nosso médico já antecipou, mas foi pouco, ou não esmiuçou, ou esquecemos de perguntar, ou ele só vai falar depois de exames mais completos. 

Os médicos "presenciais" não gostam nada do Dr.Google. Não por ciúme, por ele ser o mais famoso do mundo, mas porque ele é também o mais acessível, o mais falastrão, o menos cuidadoso e, por isso tudo, o mais inconsequente. Ele diz milhares, milhões de coisas, muitas delas sérias, muitas outras não, e todas misturadas. Tudo vem fragmentado, sem critério, o que acaba aumentando a nossa confusão sobre o diagnóstico, em vez de esclarecer. Por isso mesmo, os outros médicos dizem que o Dr.Google acaba sendo o maior charlatão do planeta. 

É claro que não marcamos consulta no Dr.Google para ser tapeados, justo o contrário. Queremos saber mais, queremos conhecer tudo que pudermos da nossa doença, dos remédios e dos tratamentos, e o direito à informação é básico, está inscrito na Constituição e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas, o exercício descuidado desse direito, pela incapacidade técnica de entender a informação passada pelo Dr.Google, pode nos levar ao oposto: à desinformação, ao mito, às crenças equivocadas. E, por essa via, à confusão, à frustração e à angústia. 

O melhor uso a fazer das consultas ao Dr.Google é o de levantar uma boa lista de dúvidas, para discutir com o nosso médico. O de carne e osso. O que estudou seis anos e fez (ou está fazendo) mais dois de residência, para dizer coisas abalizadas sobre a nossa doença. Um bom diálogo entre paciente e médico, uma conversa franca e detalhada sobre as opções e perspectivas do tratamento, isso é tão importante para a cura quanto cirurgias complexas, exames sofisticados, terapias avançadas e remédios eficazes. Porque produz empatia, confiança, segurança e facilita todo o resto. 

Dr.Google pode ser o bamba, o sabe-tudo. Mas, quem importa para a gente, na real, é o médico que nos atende, a equipe dele, os colegas que pode consultar. Ele é o sabichão a se confiar. E o esperto da nossa parte é saber criar o elo com ele, com perguntas bem calibradas, para compartilhar dessa sabedoria. 

Sobre o autor

Gabriel Priolli é jornalista radicado em São Paulo. Trabalhou nos principais veículos de imprensa do país, dirigiu e criou canais de televisão, e foi professor na PUC, FAAP e FIAM. Hoje atua como consultor de comunicação.

Por que o A.C.Camargo Cancer Center?

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