É a segunda vez que pesquisadores de nossa instituição garantem a láurea do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo
Conduzido por cientistas de um grupo internacional que inclui o A.C.Camargo Cancer Center, a USP e a Universidade de Trento, na Itália, um estudo, que comprova que o intestino de pacientes com câncer colorretal possui micro-organismos distintos daqueles que colonizam a microbiota intestinal de indivíduos saudáveis, venceu a categoria Pesquisa em Oncologia do 10º Prêmio Octavio Frias de Oliveira.
Com a missão de estimular e reconhecer descobertas na área oncológica, a premiação é uma ação do ICESP (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira) em parceria com o Grupo Folha.
O trabalho
Apesar da evidente relação da bactéria Helicobacter pyilori com o câncer de estômago, a conexão entre a microbiota (coleção de bactérias, vírus e fungos presente no intestino) e o câncer colorretal era menos óbvia. Trata-se do terceiro tipo de câncer mais comum no mundo e no Brasil, onde atinge 36 mil pessoas/ano – cerca de 100 diagnósticos por dia.
O estudo dese tópico deu origem à pesquisa destacada na revista científica Nature Medicine: Metagenomic Analysis of Colorectal Cancer Datasets Identifies Cross-Cohort Microbial Diagnostic Signatures and a Link with Choline Degradation (Análise Metagenômica de Conjuntos de Dados de Câncer Colorretal Identifica Assinaturas Diagnósticas Microbianas e uma Ligação com a Degradação da Colina).
Foram usadas 969 amostras fecais vindas de três grupos: indivíduos com câncer colorretal, pacientes com adenomas (pólipos benignos e malignos) e pessoas saudáveis. Eram habitantes da Alemanha, França, Itália, China, Japão, Canadá e Estados Unidos.
Com base em sequenciamento de DNA, análises bioinformáticas e estatísticas, os cientistas identificaram 16 bactérias na microbiota que sinalizam câncer colorretal, incluindo casos em estágio inicial. “O estudo abre algumas ‘avenidas’ para investigar melhor a relação entre a microbiota intestinal e o câncer colorretal”, afirma Andrew Maltez Thomas, biólogo e primeiro autor do estudo, profissional que concluiu seu mestrado no A.C.Camargo e o doutorado na USP.
“A primeira é o uso de determinadas espécies bacterianas para a detecção do câncer colorretal, algo que deve ser validado em populações de países que não foram considerados no artigo e usando uma metodologia mais rápida e barata; a segunda seria validar os achados do aumento da enzima microbiana que degrada a colina, nutriente da dieta, em outra população e entender melhor quais são suas implicações”, explica Andrew, que hoje faz pós-doutorado na Universidade de Trento. “Isso vai ajudar a entender melhor os mecanismos de resposta a imunoterápicos para certos tipos de câncer”, acrescenta.
Benefícios para os pacientes
Atualmente, a detecção de tumores colorretais se dá a partir de dois exames: endoscopia (colonoscopia e retossigmoidoscopia) e exame de sangue oculto nas fezes.
“Uma vez estabelecidas as bactérias marcadoras, como foi feito no estudo, o passo seguinte é validá-las em amostras brasileiras”, aponta Emmanuel Dias-Neto, que também assina a pesquisa, cientista que chefia o Laboratório de Genômica Médica do Centro Internacional de Pesquisas (CIPE) do A.C.Camargo.
“Feito isso, creio que o exame das bactérias deveria correr lado a lado com o exame de sangue oculto, por um período de tempo a ser definido, de modo a corroborar a informatividade de cada um deles”, salienta Emmanuel, que orientou Andrew Thomas no mestrado e o coorientou no doutorado. “Talvez saia um pouco mais caro que a avaliação de sangue oculto nas fezes, mas deve valer a pena, pois a taxa de falsos positivos é alta no exame atual, algo que leva a colonoscopias desnecessárias; essas, sim, são bem mais caras, além de serem muito invasivas”, frisa Emmanuel.
Professor de Bioquímica da USP, o engenheiro João Carlos Setubal, que foi o outro orientador de Andrew Thomas, crê que há muito a avançar nessa pesquisa. “Ela está em sua infância. No momento, a limitação é conseguir amostras em número suficientemente grande e diversas o bastante para os variados tipos de câncer, para que se possa fazer estudos que tenham bases estatísticas sólidas”, explica Setubal.
Modulação da microbiota
De acordo com Andrew Thomas, a questão da modulação do microbioma intestinal é um tema extremamente complexo e não trivial. “Ainda assim, creio que estratégias como o transplante autólogo de microbiota fecal, sendo melhor regulamentado, serão benéficas para o tratamento de diversas doenças”, projeta Andrew.
“Caso venha a ser provada alguma relação causa-efeito entre componentes da microbiota e o câncer colorretal, com certeza o objetivo será criar terapias que tenham por alvo as espécies responsáveis, sejam as benéficas ausentes, sejam as patogênicas presentes”, ressalta o professor Setubal.
Mas não será fácil saber como fazer essa modulação, visto que o câncer e sua microbiota podem ser vistos como um "ecossistema", e interferir num ecossistema sempre requer grande cuidado, para que se minimizem efeitos indesejados.
A.C.Camargo: mais um prêmio
Essa foi a segunda vez que pesquisadores do A.C.Camargo garantem a láurea na categoria Pesquisa em Oncologia do Prêmio Octavio Frias de Oliveira do Icesp.
Já havia ocorrido em 2015, quando uma pesquisa liderada pela doutora Dirce Maria Carraro identificou mutações relacionadas ao desenvolvimento do tumor de Wilms, câncer renal mais frequente em crianças, principalmente entre 2 e 4 anos de idade.
Crédito da imagem: Claudio Roberto/Icesp