Embora o câncer ginecológico seja mais prevalente na pós-menopausa, também existem mulheres que recebem o diagnóstico da doença em fase fértil e com o desejo de ter filhos. A preservação da fertilidade nesse grupo de pacientes com câncer de colo do útero, endométrio e ovário epitelial foi um dos destaques do Painel de Ginecologia da 2ª edição do Next Frontiers to Cure Cancer, evento internacional que propõe a discussão das novas perspectivas de diagnóstico, tratamento e pesquisa do câncer.
"Entre os tumores ginecológicos, o que mais oferece alternativas para preservação de fertilidade é o de colo do útero. Os tumores no ovário e endométrio ocorrem mais frequentemente na menopausa, quando a mulher já não se encontra em fase reprodutiva", observa o cirurgião oncologista, Diretor do Departamento de Ginecologia e coordenador do painel no evento, Glauco Baiocchi Neto.
Além do fator idade, a indicação de técnicas de preservação de fertilidade dependerá do estadiamento (fase em que a doença é diagnosticada, ou seja, o quanto ela está ou não avançada). Conforme explica o especialista, a preservação é mais preconizada em se tratando de lesões pré-câncer. Além disso, quando é câncer, mas a doença está restrita ao colo do útero, sem ter se espalhado para linfonodos e, principalmente, se o tumor é de até dois centímetros, a preservação também é factível.
"Nesses casos, podemos optar pela cirurgia de retirada do colo do útero, do ligamento em volta, assim como de um pedaço da vagina, mas preservando todo o corpo do útero, ovários e trompas, o que é suficiente para a mulher vir a engravidar depois", detalha.
Outra boa notícia é que, se na biópsia não for observado nenhum fator de risco para recidiva (volta da doença) e a paciente não precisar fazer nenhum tratamento complementar (que, em se tratando de câncer de colo do útero, o mais comum é a radioterapia), a chance de sobrevida global com a cirurgia de preservação de fertilidade é igual à sobrevida que seria obtida com a retirada do corpo do útero e dos ovários. "Isso está bem estabelecido hoje na literatura e é uma opção para mulheres que querem ter filhos", afirma Glauco Baiocchi Neto.
O endométrio é a camada interna do corpo do útero, onde o nenê cresce. A pergunta, nesse caso, é como preservar a fertilidade quanto esse órgão é acometido pelo câncer. De acordo com o especialista, para se chegar a essa resposta, é importante levar em conta, primeiro, a faixa etária da paciente. Aproximadamente 75% das pacientes com câncer de endométrio têm mais de 50 anos. Cerca de 20% tem entre 40 e 50 anos e apenas 5% tem abaixo de 40 anos. "Isso já é uma seleção natural das pacientes candidatas à preservação", exemplifica.
Além disso, deve-se partir do pressuposto de que o endométrio tem uma relação direta com o estrógeno (que estimula o órgão) e progesterona (que bloqueia). "A gente precisa selecionar um subgrupo de pacientes no qual esse câncer seja de um tipo respondente ao hormônio e que seja também muito inicial, ou seja, que começou na camada interna do útero (no endométrio), não infiltrou e não tem doença fora do útero", detalha.
Nesses casos, explica Glauco Baiocchi, é feito o tratamento com medicação (progesterona em doses altas). "Usamos progesterona por um tempo, esperando uma resposta boa em seis meses e, depois que a paciente usou, esperamos por mais um ano. Após isso, se a mulher conseguir engravidar e ter o número de filhos desejados, é retirado o útero, evitando assim uma possível volta da doença", esclarece.
Da mesma forma que os tumores de endométrio, o câncer de ovário é uma doença que ocorre com maior frequência na menopausa, principalmente na sexta e sétima década de vida. Raramente a doença se dá abaixo dos 40 anos, mas, quando ocorre, tem maior propensão para ser um tumor benigno (não câncer) ou intermediário de benignidade (os chamados tumores borderline de ovário), que são dois perfis que podem ser candidatos à preservação de fertilidade. A preservação nesses casos significa a retirada do ovário e da trompa doente, deixando o outro ovário, a trompa e o útero. "Essa regra é válida para os tumores benignos ou para os borderline", explica Glauco Baiocchi Neto.
Quando há o diagnóstico de câncer de ovário, o cenário se mostra diferente. O grande complicador é que os tumores epiteliais (que representam 8 entre 10 tumores malignos de ovário) são diagnosticados em fase avançada em 75% dos casos, quando a doença já disseminou para fora do ovário. "A regra, quando isso ocorre, é não preservar a fertilidade", afirma o cirurgião oncologista.
Por sua vez, há outro cenário em que a preservação também se mostra possível. É o formado por um subgrupo de pacientes em idade mais jovem e com câncer epitelial não borderline, onde a doença é mais restrita ao ovário. De acordo com Glauco Baiocchi, se a doença for totalmente restrita ao ovário, é possível a paciente ser candidata a preservar a fertilidade, ou seja, deixar o anexo, que é o ovário e a trompa contralateral ao útero, e fazer o restante do estadiamento da lesão (avaliação de linfonodos e do peritônio).
Se a paciente, ao final, tem só aquela doença restrita ao ovário e trompa, é bem provável que ele fará quimioterapia complementar, o que também não impede que ela permaneça fértil. "A quimioterapia, abaixo dos 40 anos, não é tão limitante, pois, quanto mais cedo se faz esse tipo de tratamento, maior é a chance de a paciente voltar a menstruar e ovular. Aliás, hoje há uma tendência de que, quando as mulheres vão chegando na faixa dos 40 anos e vão fazer quimioterapia, ela pode ser aconselhada a guardar os óvulos", acrescenta.