Haja ouvido para a impaciência
Haja ouvido para a impaciência


Eu só compreendi o sentido da palavra paciente, em sua plenitude, quando tive o câncer.
Até então, nas internações e procedimentos médicos que eu experimentei, o termo tinha uma conotação neutra. Era apenas o oposto de agente.
Eu, o corpo que tinha algum problema, era o paciente. Ele, o médico ou terapeuta que trabalhava nesse corpo para curá-lo, o agente. Coisa bem simples.
Mas isso mudou bastante com a doença. O alcance semântico da palavra no mínimo dobrou.
Agora sou paciente mesmo no outro sentido, o de sereno, calmo, conformado, que sabe esperar. Ou melhor: tento ser. Luto para ser.
Muitas vezes perco a luta. Porque ter paciência para enfrentar o câncer é um desafio equivalente a curar o câncer.
Maior até, porque a vida dos que trabalham para nos livrar do danado não está em risco — e a nossa pode estar.
Haja paciência para controlar os temores, a cada etapa da jornada. Haja paciência para segurar a pressa de ver o tratamento concluído, com um belo laudo negativado — esse verdadeiro êxtase.
A paciência do paciente no A.C.Camargo é testada já nos agendamentos.
Você vem com uma urgência absoluta, querendo resolver o seu assunto amanhã cedo no primeiro horário, e logo percebe que o tempo hospitalar é outro. O calendário não existe só para você.
O hospital realiza anualmente quase 2,5 milhões de procedimentos, entre consultas, exames, internações e cirurgias. Os pacientes novos são cerca de 15 mil a cada ano. A fila não para nunca.
Portanto, conforme-se. Aquela visita ao médico, que você queria para ontem, vai ficar para daqui a 15, 20 dias.
Estou falando, claro, do que não é urgente.
Se você tem uma dor aguda, uma febre forte ou outro sintoma grave que exija atenção imediata, está lá o Pronto-Socorro para atendê-lo. Faz isso muito bem.
Mas você é consciente e sabe quando o problema exige recorrer ao PS. Não vai empatar o serviço por lá com algo que não é de lá.
Então, como segurar a ansiedade até o atendimento, se não é caso de urgência? Se é alguma coisa estranha que você está sentindo ou observando, algo incomum, que não dói nem parece ameaçar de imediato, mas… preocupa?
Pode ser um agravamento do câncer que tenho? Uma recidiva do câncer que já tirei? Não é o que passa na cabeça? E fica nela, martelando, martelando?
Eu defendo que o A.C.Camargo tenha um canal de comunicação para o paciente apresentar essas dúvidas rapidamente. Uma pré-consulta, informal, antes da própria.
Para o agoniado descrever o seu problema de modo geral e receber uma primeira apreciação, que será confirmada ou não na consulta agendada, em alguns dias.
Genérica que seja, uma resposta de fonte médica categorizada pode ser um tranquilizante poderoso nesse momento. Um Tramal na alma.
Outra coisa que desejaria ver implantada é uma lista de espera, para antecipação das consultas.
Só tem horário para outubro? OK, então agenda lá, mas me põe na fila da antecipação. Se abrir uma vaga antes, o sistema me notifica automaticamente. Quem não gostaria?
Paciente oncológico precisa de paz. É um insumo essencial no tratamento e a ansiedade liquida com ela.
Não há paciência que dê conta dessa angústia.
Gabriel Priolli é jornalista radicado em São Paulo. Trabalhou nos principais veículos de imprensa do país, dirigiu e criou canais de televisão, e foi professor na PUC, FAAP e FIAM. Hoje atua como consultor de comunicação.
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