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Biópsia líquida, células tumorais circulantes, o estudo da microbiota e seu papel no câncer, a busca de biomarcadores para prever a agressividade do câncer de mama: são estudos de ponta conduzidos por nossos pesquisadores. Conheça mais sobre eles.

O conceito da biópsia líquida estabelece a detecção na circulação sanguínea ou em outros fluidos corpóreos de componentes específicos do tumor, utilizados como marcadores tumorais. Essa abordagem é fundamental no monitoramento da resposta a tratamentos oncológicos e na detecção de progressão tumoral e recidivas. Atualmente, três componentes do plasma têm sido explorados e indicam a presença de tumor no organismo: o DNA tumoral circulante, representado por fragmentos de DNA livres específicos do genoma do tumor (ctDNA), células tumorais circulantes (CTCs) e vesículas extracelulares (VEs) derivadas do tumor e seu microambiente. O uso das biópsias líquidas pode permitir a estratificação dos tumores para guiar a seleção de terapias, a detecção de doença residual, a resistência ao tratamento, a identificação precoce de recidiva e progressão de doença e o direcionamento de novas abordagens terapêuticas.

Atualmente, a biópsia líquida é uma das abordagens mais benéficas para o monitoramento da resposta ao tratamento oncológico, pois pode revelar informações importantes e cruciais sobre heterogeneidade inter e intratumoral, visto que parece ser mais representativa de um tumor sólido como um todo, ao contrário da representatividade da fração de tumor investigada pela biópsia convencional. Além disso, a biópsia líquida pode revelar o conhecido mecanismo de resistência frequentemente desenvolvido pelo tumor diante da exposição às diferentes terapias. Um ponto extremamente importante que precisa ser salientado é que a biópsia líquida, uma vez que é pouco invasiva, pode ser repetida inúmeras vezes, ao longo do tratamento, revelando a dinâmica seleção clonal, resultado da expansão e retração de clones específicos de um tumor sólido. Assim, de forma geral, a biópsia líquida representa uma grande oportunidade de mudança de paradigmas no tratamento oncológico, representando, em tempo real, a evolução genética do tumor e gerando informações importantes para decisões clínicas no exercício da medicina de precisão.

Nesta matéria, ilustraremos a utilização dos três componentes da biópsia líquida. Essas abordagens já estão sendo utilizadas em vários centros oncológicos, principalmente a abordagem de ctDNA, que hoje é uma prática de vários centros de tratamento de câncer, incluindo o A.C.Camargo.

Monitoramento de resposta a tratamento em pacientes com câncer colorretal
DNA tumoral circulante (ctDNA) em plasma de paciente

Dados científicos recentes têm reiteradamente mostrado que alterações genômicas exclusivas do DNA do tumor podem ser detectadas com grande especificidade em plasma de pacientes portadores de diferentes tumores sólidos, sendo observada alta correlação entre a quantidade dessas variantes e a progressão da doença. Esses relatos têm trazido expectativas reais da utilização de ctDNA como ferramenta de monitoramento de pacientes oncológicos através de análises seriais do ctDNA no plasma, constituindo um novo paradigma para a detecção e para o estudo dinâmico da resistência a tratamentos. Enquanto a detecção de alterações genômicas pontuais do tumor no ctDNA permite inferir a presença de doença residual e a resposta a tratamento, estudos mais abrangentes, como painéis de mutações ou mesmo avaliação do exoma completo, permitem inferir a dinâmica da expansão clonal somática, a evolução tumoral e mecanismos de resistência diante de tratamentos específicos.

O grupo de Genômica e Biologia Molecular, coordenado pela Dra. Dirce M. Carraro, tem utilizado essa metodologia com sucesso para validar a abordagem e também como ferramenta de monitoramento de pacientes com vários tipos de tumores. Essa abordagem já foi transferida para a clínica e, desde 2016, já está sendo usada no Laboratório de Diagnóstico Genômico do A.C.Camargo para rastreamento em plasma de mutações ativadoras nos genes KRAS, NRAS, EGFR, BRAF e outros genes. Os tipos de tumores em que essa abordagem, do ponto de vista clínico, é mais utilizada, são pulmão, colorretal e melanoma, e, em alguns casos, os resultados servem para guiar e definir terapias. Na teoria, o simples monitoramento de resposta a terapia por ctDNA em plasma pode ser usado para qualquer tipo de tumor.

Um exemplo da demonstração da utilidade do rastreamento de ctDNA em plasma, em que investigamos mutações identificadas previamente no tumor, a fim de acompanhar a resposta do paciente ao tratamento quimioterápico, está descrito a seguir. Um paciente portador de carcinoma colorretal metastático apresentou uma mutação conhecida no gene KRAS no tumor primário, identificada através de sequenciamento de nova geração (NGS) do tumor removido cirurgicamente. O gene KRAS é um conhecido driver em câncer colorretal e outros tumores, e a definição de seu status mutacional é essencial para a definição terapêutica em carcinomas colorretais metastáticos.

Durante a quimioterapia adjuvante, a coleta de sangue periférico desse paciente foi realizada a cada mês, sempre antes de o ciclo de quimioterapia ser iniciado. Após a separação do DNA livre circulante a partir do plasma, a marca de mutação somática do tumor (KRAS, p.Gly12Val) foi quantificada por NGS, em cada uma das coletas. Além disso, o paciente foi acompanhado através de tomografia computadorizada (TC), para acompanhamento da resposta das lesões metastáticas no fígado. A imagem e o gráfico abaixo demonstram o esquema de tratamento e acompanhamento e os resultados obtidos com o sequenciamento de ctDNA. Dados de imagem mostraram estabilidade no número e tamanho das lesões do fígado (metástases) no mês 03/15, e aumento das lesões (progressão) no mês 04. Utilizando a ferramenta da busca da marca tumoral no plasma, foi possível detectar um aumento da porcentagem da mutação no mês 02. O aumento da frequência da mutação no plasma sugere fortemente progressão da doença. Esse resultado ilustra o potencial da análise de ctDNA como uma ferramenta sensível e específica para identificação precoce da resistência ao tratamento.

Pacientes com câncer no cólon ou no reto com metástases (tumor disseminado) em outros órgãos necessitam de um monitoramento constante, como exames clínicos, laboratoriais e de imagem, para controle do volume da doença e resposta ao tratamento proposto. Estudos com células tumorais circulantes (CTCs), células que se desprendem do tumor primário e circulam no sangue, demonstram que a análise dessas células pode auxiliar na escolha do tratamento de cada paciente, bem como na mudança precoce do tratamento para bloquear o aumento da doença normalmente causada pela aquisição de resistência ao tratamento.

Um estudo recente (Souza e Silva et al., 2016 – Onco Targets Ther. 13; 9:7503-13), realizado pelo grupo que estuda as CTCs no A.C.Camargo, mostrou a importância da análise dessas células em pacientes portadores de tumores colorretais. O aumento dos níveis das CTCs durante o tratamento, em comparação com aqueles no início do tratamento, pode indicar uma progressão da doença. Além disso, o grupo também demonstrou que a presença de duas proteínas nas CTCs, Timidilato Sintase e MRP1, pode indicar falha no tratamento com dois dos principais quimioterápicos utilizados no tratamento dos tumores colorretais metastáticos (5-Fluorouracil e Irinotecano, respectivamente) (Abdallah et al., 2015 – Int J Cancer 15; 137(6):1397-405; Abdallah et al., 2016 –Int J Cancer 15; 139(4):890-8).

Rotineiramente, é realizado um teste para a presença de mutações nos tumores primários; o gene KRAS é particularmente avaliado em tumores colorretais e, quando mutado, pode indicar resistência a um fármaco também bastante utilizado no tratamento desses tumores, o Cetuximabe. Essa mutação pode ser encontrada nas CTCs do sangue, com uma concordância de 71% daquela encontrada nos tumores primários (Buim et al., 2015 – Cancer Biol Ther 16(9):1289-95). Isso significa que, na ausência do material do tumor primário para avaliar se o paciente é candidato ao tratamento com Cetuximabe, as CTCs podem ser usadas como substitutas.

Juntos, esses resultados indicam que as CTCs podem ser exploradas como biomarcadores circulantes de resposta à terapia. Esses achados estão sendo extrapolados e validados em estudos de larga escala.

Pesquisadores do A.C.Camargo avaliaram a composição do conjunto de bactérias que habitam o intestino de pacientes com câncer de reto (Thomas et al., 2016). Esse conjunto de bactérias e outros microrganismos que vivem em superfícies diversas é chamado de microbiota, que em nosso corpo tem papel importante na digestão, produz vitaminas, ácidos graxos e outros compostos bioativos, além de participar na regulação do metabolismo e dos sistemas imune e neurológico.

Vários fatores, incluindo dieta, consumo de tabaco ou álcool, que já foram associados com o desenvolvimento de várias doenças (alergia, diabetes, obesidade, câncer e outras), também levam a alterações na composição da microbiota. Nesse estudo, a composição da microbiota retal de tecidos humanos com ou sem câncer foi avaliada com o objetivo de conhecer quais e quantos microrganismos ocupam esse sítio, investigando se alguns teriam um papel no desenvolvimento desse câncer.

Nesse sentido, 36 indivíduos foram estudados pela geração e análise de centenas de milhares de sequências de DNA. Os resultados mostraram a maior quantidade de certas bactérias nos tumores (incluindo Bacteroides, Parcubacteria, Phascolarctobacterium, Parabacteroides, Desulfovibrio e Odoribacter) e também a presença de bactérias encontradas em quantidade muito maior em amostras não tumorais (Pseudomonas, Escherichia, Acinetobacter, Lactobacillus e Bacillus).

Os achados sugerem fortemente um aumento da riqueza de bactérias no tumor, incluindo algumas que podem ter um papel danoso e outras que potencialmente podem ser benéficas, atuando inclusive na atração e capacitação do sistema imunológico. O avanço dos estudos nessa área tem o potencial de auxiliar no desenvolvimento de terapias que podem vir a prevenir o surgimento de tumores ou mesmo contribuir para seu tratamento mais eficaz.

Elias EV, Castro NP, Pineda PH, Abuázar CS, Osorio CABT, Pinilla MG, Silva SD, Camargo AA, Silva Jr WA, Ferreira EN, Brentani HP, Carraro DM. Epithelial cells captured from ductal carcinoma in situ reveal a gene expression signature associated with progression to invasive breast cancer. Oncotarget. 2016 Nov 15; 7(46):75672-84.

O câncer de mama é o mais comum entre as mulheres. Entre os tipos histológicos, o carcinoma ductal de mama representa 80%, sendo que 30% destes podem se manifestar na forma pré-invasiva, isto é, dentro dos ductos lactíferos da mama. Esse tipo de tumor é chamado carcinoma ductal in situ (CDIS) ou intraductal. O tratamento convencional inclui cirurgia, radioterapia e hormonioterapia, que é definido pelo médico de acordo com as características de cada caso e leva a taxas de cura excelentes.

O percentual de casos CDIS que progrediriam para doença invasiva, se não fossem tratados, não pode ser estimado com precisão, mas as evidências atuais apontam para números bastante pequenos. Assim, há um consenso geral de que os tratamentos convencionais para pacientes diagnosticadas com CDIS são excessivos. Nesse cenário, especula-se a adoção de tratamentos mais brandos, ou mesmo de uma rotina de vigilância, mas que mantenham as altas taxas de sobrevida exibidas pelo tratamento convencional. No entanto, até o momento não há biomarcadores robustos capazes de predizer quais dessas lesões teriam de fato potencial para se transformar em doença invasiva capaz de alcançar os tecidos adjacentes e causar metástase e consequentemente se tornar uma ameaça à vida da paciente. A incerteza sobre como a doença vai evoluir faz com que a escolha do médico pelo tratamento convencional seja a mais utilizada. Esse cenário atual, juntamente com o aumento observado no número de diagnósticos de CDIS, impulsionados pelos avanços tecnológicos, tem motivado estudos para busca de biomarcadores capazes de predizer a agressividade de CDIS nos estágios iniciais.

Assim, através da caracterização das alterações moleculares que as células epiteliais sofrem para se tornar invasivas, nosso grupo (Laboratório de Genômica e Biologia Molecular – LGBM) tem contribuído com descobertas que nos ajudam a compreender o processo de invasão dessas células e com o desenho de estratégias para identificar biomarcadores com o potencial de predizer as lesões CDIS de potencial mais agressivo. O recente estudo realizado em nosso laboratório, publicado na revista Oncotarget, apresenta dados nessa direção.

No trabalho publicado, avaliamos a expressão de milhares de genes em 63 amostras tumorais congeladas no Biobanco do A.C.Camargo. As células epiteliais foram capturadas de diferentes componentes de tumores de mama e foram divididas em três grupos, mimetizando os diferentes estágios de progressão da doença – dois deles representando lesões pré-invasivas e um representando lesões invasivas. O primeiro grupo contemplou amostras de células epiteliais do tumor retiradas de tumores CDIS puro, isto é, tumores cujas células tumorais ainda estavam totalmente confinadas no ducto mamário. O segundo, ou grupo intermediário, contemplou amostras de células que vinham da porção in situ (as células tumorais presentes dentro do ducto, ou seja, as células vinham de lesões de mesma morfologia das células do primeiro grupo) de tumores que já manifestavam regiões de células tumorais invasivas. E, finalmente, o terceiro grupo contemplou amostras de células tumorais que já haviam escapado para os tecidos adjacentes ao ducto – invasivas. (Figura 1)

Figura 1: Os diferentes grupos analisados foram: 1) células epiteliais capturadas de CDIS puro; 2) células epiteliais do componente in situ do CDIS associado ao câncer ductal invasivo (CDI); 3) células epiteliais capturadas de lesão invasiva do CDIS associado ao câncer ductal invasivo. Cada um dos grupos teve o perfil de expressão de genes investigado e encontrou-se um conjunto de 26 genes que distinguiam as lesões. Essa informação pode ser promissora para identificar casos CDIS potencialmente agressivos e indolentes.

Usando metodologias consideradas de vanguarda e que apresentam alta sensibilidade para detectar diferenças sutis no nível de expressão, avaliamos milhares de genes de amostras de células epiteliais capturadas de tecido tumoral. Aplicando uma série de análises matemáticas e estatísticas e adotando critérios estringentes para seleção de genes, chegamos a 26 genes cujo padrão de expressão foi capaz de discriminar corretamente a grande maioria das amostras de mesma morfologia dos grupos 1 e 2, sendo que as amostras do grupo 2 apresentam potencial maligno completamente distinto das amostras do grupo 1 (Figura 1). Por outro lado, nenhuma diferença robusta no nível de expressão de genes foi detectada, capaz de discriminar as amostras dos grupos 2 e 3 – lesões com morfologias distintas quanto à manifestação de invasão dos tecidos adjacentes – sugerindo que as células epiteliais do grupo 2 já manifestam modificações moleculares indicativas de invasão.

Em outras palavras, nossos resultados demonstraram que células do primeiro grupo de tumores (CDIS puro) tinham diferenças no perfil de expressão em relação às do segundo, que eram morfologicamente iguais (componente in situ de tumores com regiões invasivas) (CDIS-CDI); que, por sua vez, eram semelhantes no perfil de expressão às células de lesões invasivas (IDC), com morfologia distinta.

Assim, a “fotografia” da expressão desses 26 genes confirmou nossa hipótese de que as mudanças moleculares avaliadas pela expressão dos genes antecedem a mudança na morfologia desses tumores. Ou seja, a programação molecular das células epiteliais que estão contidas no ducto do tumor, as células tumorais in situ, diverge entre as lesões in situ indolentes e as lesões in situ de tumores que já manifestam regiões de invasão.

Dado que o CDIS é um tumor indolente e, para a maioria das pacientes, não progrediria para lesões mais agressivas, nossos dados abrem perspectivas reais da utilização da avaliação desses genes como biomarcadores capazes de predizer aqueles tumores in situ (CDIS) com potencial de progredir para tumores invasivos.

Assim, um novo estudo já está em andamento para avaliar a utilidade clínica desse achado – desta vez com amostras tumorais colhidas para biópsia e, posteriormente, armazenadas em parafina. As novas amostras desse novo estudo serão lesões puramente in situ, ou seja, cujas células ainda estão confinadas dentro do ducto. Estamos realizando uma análise retrospectiva, o que nos permite conhecer a evolução clínica de cada paciente. O objetivo é descobrir, nesse maior número de pacientes, se a assinatura desses 26 genes nas células epiteliais é capaz de discriminar os casos mais agressivos daqueles realmente indolentes, para que no futuro se possam oferecer tratamentos mais amenos, mantendo a excelente sobrevida observada com os tratamentos convencionais, contribuindo com a personalização do tratamento.

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